6 de junho de 2023

Playlist do Blog oficial Maysa no Spotify

 


Em comemoração ao que seria o 87º aniversário de Maysa, o Blog elaborou especialmente uma playlist no Spotify com mais de duas horas de duração contendo o melhor de Maysa, já que a playlist criada pelo Spotify This is Maysa é falha, contendo músicas que são de uma outra cantora homônima. Viva Maysa!


11 de abril de 2023

Entrevista de Maysa à Rádio Jornal do Brasil, 1973


 Entrevista de Maysa à Rádio Jornal do Brasil 



Há cinquenta anos, em março de 1973, Maysa concedeu uma entrevista ao jornalista Simon Khoury da Rádio Jornal do Brasil, onde, sem papas na língua e bastante ferina, comenta o fracasso de sua segunda temporada no Canecão, em 1970, o porquê dela ter detestado gravar uma versão em português de "Love Story", critica Vinícius de Moraes e outros nomes da MPB, relembra episódios de sua carreira e canta à capela o "Tema de Simone", sua música favorita dentre as que compôs. Imperdível. Ouçam Maysa!



4 de outubro de 2022

Maysa: "É tão difícil caminhar" - Ele Ela, 07/1975


Maysa: “É tão difícil caminhar”


Entrevista a Clóvis Levi


“Hoje já há um caminho percorrido do meu processo de descoberta... Há um amor pela pele..., há um certo cuidado pelo corpo que, antes, não existiam. A mente ainda está um pouco..., é... tapada, cheia de certas imagens, certos padrões. Mas já começando a caminhar...”

Em 1969 você afirmou: “Sei que estou me desorganizando para me organizar de novo.” Em 1975, seis anos depois, como vai essa sua organização?

- Essa declaração foi feita quando voltei ao Brasil, medrosa, assustadíssima, querendo fazer uma porção de coisas diferentes, como a preocupação de limpar aquela imagem da mulher bêbada, da mulher gorda. Hoje estou procurando ficar em paz, tranquila, estou me deixando encontrar.

Porque você disse que a Maysa cantora não tem relação alguma com a Maysa ser humano?

- Porque nunca consegui ser a pessoa. Eu achava que só viam, em mim, a cantora com aquela imagem negativa, e nunca o ser humano. Havia, então, uma grande carência e um profundo desencontro dentro de mim: eu nunca sabia se estava sendo recebida como uma cantora ou como eu mesma. Eu mesma acabei sem saber quem eu era. E, quando uma pessoa se desconhece, ela não sabe nunca o que dar para os outros.

Porém a Maysa com quem conversei, parece estar cada vez mais apta ao ato de doar. Principalmente, porque começa a dar a si mesma, um justo valor.

- Hoje em dia já estou achando que “Maysa” é um negócio muito sério, é um negócio que impõe um respeito filho da mãe, que tem uma verdade... tem um peso muito importante. Estou começando a me achar uma pessoa muito bacana. Só está faltando me aproximar de mim mesma mais um pouquinho.

E o que é que você está fazendo para incentivar essa aproximação?

- Estou fazendo análise! (“Ela se ilumina, passa a falar com mais entusiasmo”). Faço análise de grupo e individual com uma das pessoas mais maravilhosas que já vi, ela é um sol, uma dimensão. (“Ela faz uma pequena pausa. Fica tensa.”) Mas, apesar disso, acordo sempre muito angustiada. É uma coisa muito estranha. Minhas mãos ficam muito frias e vem o desespero de não saber exatamente o que vai acontecer, um desespero de encontros, de desencontros, então, geralmente, eu me escondo, me meto numa cova e fico lá dentro. E fica difícil, para mim, tomar uma atitude que eu tenha programado. Sou incapaz de me programar, tenho medo de me programar.

Como é que você está se sentindo agora? Com disponibilidade para a entrevista? Ou angustiada, amargurada?

- Estou muito angustiada. Além do mais, hoje é segunda-feira, e segunda é sempre um dia de começar coisas, ainda é dia de voltar para o colégio interno.

Todo começo é angustiante?

- É. Angustiante, tumultuado, confuso. Eu não sei se estou agradando e meu medo é sempre esse: tenho um certo receio de ser demais.

Essa sua preocupação em agradar não será uma exagerada (e compreensível, num processo de análise) reação à a sua famosa agressividade?

- Acho que não, porque, no fundo, sempre tive essa preocupação. E eu acho que o que me fazia agressiva era a bebida. Era, talvez, para me defender de uma certa coisa que eu sabia que, de certa forma... fazia mal... ou melhor, pegava mal... fui criada dentro desses padrões que determinam que mulher não bebe. Então eu me defendia antes que me acusassem.


E hoje, depois de ter se submetido a um doloroso tratamento de desintoxicação, como é que você está com a bebida? (A resposta vem firme e imediata.)

- Muito bem. Totalmente em paz com ela.

Mas você bebe normalmente?

- Não. (Aí, então, Maysa vacila.”) Bebo... não... não posso. Não devo (A voz quase some). Mas faço de vez em quando. (“Assume a situação e a voz volta a ficar firme.”) Há momentos em que tenho uma terrível necessidade. Mas, agora, eu faço diferente. Fico dentro de casa. Antes eu ia para a rua... agredia meio mundo...

Mas você ainda se embriaga mesmo dentro de casa? Perde o controle?

- Não. Não. Não perco o controle (“Agora ela relaxa e sorri.”) ligo para o mundo inteiro. É aí que eu busco o relacionamento, é aí que eu tenho coragem de falar com as pessoas, de dizer o que sinto, de dizer que gosto delas... tenho uma profunda necessidade de dizer que amo as pessoas, mas só tenho coragem de fazer isso com a ajuda da bebida. Chamo aqui para casa as pessoas que eu amo, tentando juntar essas ilhas. As pessoas estão ficando cada vez mais sós, estão se separando cada vez mais, ficando cada vez mais ilhadas.

Mas você também ajuda esse processo, ilhando-se dentro desse apartamento...

- Ajudo. Ajudo muito. No momento em que eu quero essa aproximação...

Você mesma não acredita nela.

- Exatamente... e, aí, talvez, eu assuste as pessoas. Eu, geralmente, acabo destruindo as amizades, destruindo aquele amor que estou querendo dar. Geralmente, as pessoas não gostam de bêbados.

Você é uma bêbada muito chata? (Ela volta a ficar tensa.)

- Acho que sim. Muito chata. Tanto que já estou tão consciente disso que fico dentro de casa. (“Relaxa e ri.”) Fico só no telefone. (“Faz uma pausa. Fica séria.”) Bêbada, sou mais adulta, sabe? E sóbria, sou mais criança. Ficando bêbada eu assumo essa possibilidade de relacionamento que eu não devo ter tido, quando criança.

Depois de ter feito uma desintoxicação e continuando a beber você não está ameaçada de voltar a ser uma bêbada irremediável, sem controle?

- Sei que sou uma pessoa doente em relação à bebida, disso não tenho a menor dúvida. Sou uma pessoa que não pode se dar ao luxo de beber dois uísques só e parar. Então eu tenho de me moderar nisso. A desintoxicação foi uma coisa horrível, foram meses de grades, isso já tem seis, sete anos. mas os médicos me avisaram que eu iria passar por crises incríveis e que tudo seria muito difícil. Então, quando entro em crise, tento não beber. Eu procuro beber quando estou o mais relaxada possível.

Fale um pouco sobre os seis meses de grades (A resposta é definitiva.)

- Não!

É verdade que você ficou amarrada na cama? (Pelo rosto de Maysa passa uma sensação de terror.)

- Não! Não quero falar sobre isso.

Porquê? Isso ainda não está resolvido dentro de você? (Ela fala rápido, procurando cortar esse assunto.)

- Porque não interessa. (“Bem angustiada”) ... não me interessa... não me interessa... não é uma coisa sobre a qual interesse falar...

- Antigamente eu só chorava quando bebia. Atualmente, já consigo chorar sem beber e, que eu me lembre, é uma coisa de muito pouco tempo para cá. Sabe... é um negócio assim de você sentir... (“Maysa respira profundamente”) ... sei lá... agora mesmo, quando você me fez uma pergunta, já nem sei qual foi, a lágrima já estava saindo normalmente. E isso é uma coisa muito difícil de acontecer comigo.

Como vai o seu relacionamento com as pessoas?

- Está péssimo. Você pode chamar de pretensão, mas são poucas com quem eu gostaria de bater papo. Hoje, não tenho mais saco para aguentar determinadas pessoas (e determinadas entrevistas, inclusive, com gente que vem aqui me perguntar besteira). Parece que falta uma certa dimensão humana, sei lá... Tenho muita inveja das pessoas que falam nos “meus velhos amigos”, que se respeitam, que se veem. Com seus defeitos e qualidades, não importa.

Você não consegue manter seus amigos?

- Não. Eu perco. Perco porque fujo deles com medo de perdê-los. Fujo antes que isso aconteça.

Quantas pessoas você acha que são realmente suas amigas? (Há uma pausa, ela vacila um pouco.)

- Não sei... a Leila (“sua secretária”) é uma grande amiga que eu tenho, é uma mulher extraordinária... acho que todo o grupo que está fazendo análise comigo, não sei se são meus amigos por forças das circunstâncias, mas são meus amigos... acho que vou parando por aí... tem o Mister Eco, tenho um carinho enorme pelo Mister Eco (pausa.) Bom, tem o Aluísio de Oliveira, mas o Aluísio é diferente... é meu irmão, é outra coisa. Luisinho Eça... tenho paixão por Luisinho, é meu compadre... Gal Costa, por exemplo, é uma das coisas mais lindas que já vi na minha vida, coisa mais pura, mais doce, mais suave. O que essa menina tem dentro dela para dar, em nível de carinho, é uma coisa maravilhosa.

Mas você encontra esses amigos só uma vez na vida e outra na morte?

- Não. Gal e eu temos um relacionamento bastante bom. Mister Eco, por exemplo... a gente sempre se fala. Eu tenho uma saudade enorme dos meus amigos que já morreram: Antônio Maria, Stanislaw, Dolores. A gente era uma coisa, era um bloco – embora embalado no álcool – mas era um negócio para valer, a gente se via sempre, estava sempre junto, as pessoas se precisavam. Hoje todo mundo é muito sozinho, a solidão é grande demais.

Mas a solidão existe mesmo com o Carlos Alberto?

- O que eu gostaria de obter na vida, em termos sentimentais, seria a completa realização desde encontro com Carlos. Tem seus atritos, mas eu acho... tenho a impressão que vai bem...

Há quantos anos?

- Desde 72. Está se lixando... se polindo, as arestas estão sendo aparadas. Carlos é uma pessoa extraordinária, de uma pureza, de uma beleza... é um homem que vê transparente... eu gostaria que isso se firmasse, que fosse uma coisa que realmente prevalecesse. Estou cansada já de... de buscas... de desencontros. Estou realmente cansada, amargurada. Por enquanto esse relacionamento está meio difícil porque nós dois tivemos uma vida muito tumultuada. Então nós temos muitos, muitos, muitos machucados pelo corpo inteiro, então de vez em quando a gente se agride muito, às vezes até sem querer... então, dói profundamente, dói e há um medo que a gente volte a encontrar aquelas situações do passado, aquelas pessoas, aquelas coisas ruins da nossa vida. E a gente, então, se recolhe como uma ostra.

E por falar em se recolher, fale um pouco da crise que fez você se fechar como uma ostra por causa da gordura.


- Foi terrível. E não foi tanto no sentido da estética. Acho que aquela gordura toda era uma espécie de capa para me esconder, quase um invólucro. Eu tenho a impressão de que aquele negócio todo suava, me parecia uma coisa suja. Era uma imagem feia. Mas, ao mesmo tempo em que eu não cuidava do corpo, eu também me defendia: na televisão, só deixava que a câmera me pegasse do pescoço para cima. Trinta e seis quilos a mais...foi uma época realmente terrível. E a coisa ainda não está resolvida: hoje, se eu vou comprar roupa, vou direito para as cores escuras, para o preto, porque a coisa da gordura ainda está dentro de mim, eu não estou acostumada ainda.

Há alguma possibilidade de você voltar a engordar?

- Não. Inclusive, é horrível quando eu engordo um quilo minha cuca fica estourando, é um negócio de louco (Pausa. Sorri.) Agora, tem vezes que não dá, tem dias que preciso comer loucamente, é um processo de carência, sei lá. Como à beça e aí me vem o sentimento de culpa, eu engordo dois, três quilos, é um troço chato pra burro. Mas eu jamais voltarei a ser gorda. Não é só a gordura física, mas o que ela representava dentro de mim.

A gordura dificultou o teu relacionamento com as pessoas?

- Acho que sim. Pelo menos, durante o dia. Eu não me lembro de ter saído durante o dia, naquela época de gorda.

Mas eu não estou falando de você para as pessoas; e sim, das pessoas para você.

- É. Eu achava que as pessoas se sentiam agredidas. Eu tinha uma casa na Barra e, lá, recebia meus amigos, mesmo de maiô. Mas, naquela época, eu nunca colocaria um maiô aqui em Copacabana.

(Hoje Maysa é uma mulher magra. Porém seu rosto está um pouco marcado e há um ar de cansaço em torno dela. Mas, paradoxalmente, o que se nota é um renovar constante de esperanças, um incrível potencial de vida. Sua vontade seria a de fazer música, jornalismo, teatro, cinema, tevê. Gosta de tudo e é pena que haja tão pouco tempo. Todavia, com tantas coisas para fazer, ela se tranca em casa e nada produz. O potencial está emperrado. Ela é uma artista, hoje, com sua criatividade minada. Por que Maysa nunca mais conseguiu compor?)

Em 69 você declarou que não havia atmosfera para compor. Isso existe ainda hoje?

- Existe.

Atmosfera interna ou externa?

- Interna. A externa, inclusive, em que ela pode me afetar? Por eu não estar fazendo sambinha de breque? Por não estar atualizada com o momento? Eu não sei o que é estar atualizada com o momento, porque o que está dentro de você é o que vale, o momento é o meu e não o que está lá fora. Tenho escrito muita poesia, muita coisa..., mas eu não tenho coragem... não sei o que é... não estou conseguindo botar música...

Há quanto tempo você não compõe?

- Desde 71. O “Tema de Simone”, para a novela “O Cafona” foi a última coisa.

Mas não existe um motivo específico que impeça você de criar?

- Aí é que está: não sei. Tá embutido, tá lá dentro..., mas não sei o que é....

(Maysa, uma mulher sempre à procura de respostas. Maysa, uma mulher de 39 anos que não dorme de perna esticada com medo que lhe puxem o pé (“É um trauma do colégio interno, a pior coisa que aconteceu na minha vida”). Maysa, uma mulher adulta que se sente – no mundo – como a Maysa-criança: sempre procurando agradar as freiras do internato. Para não ser nunca castigada. Para não ficar sozinha no quarto escuro. Maysa, cujo nome está tão ligado – muitas vezes levianamente – à palavra suicídio.)

Afinal, você tentou o suicídio quantas vezes?

- Várias.

E sem estar bêbada?

- Algumas vezes.

Mas é evidente que uma pessoa que vive tentando se suicidar não está mesmo a fim de morrer.

- Também acho. Eu sei que não quero morrer. Mas acontece que isso tudo é uma espécie de apelo, um pedido de proteção. A gente, de repente, se vê só, se sente rejeitada. E a gente sabe que uma tentativa de suicídio, traz, de novo, para perto de nós, as pessoas de quem a gente gosta.

E é importante, neste momento, lembrar a fase inicial da entrevista. Pois é com ela que a entrevista acaba:

- Hoje já há um caminho percorrido do meu processo de descoberta... Há um amor pela pele..., há um certo cuidado pelo corpo que, antes, não existiam. A mente ainda está um pouco..., é... tapada, cheia de certas imagens, certos padrões. Mas já começando a caminhar...


(Reportagem publicada originalmente na revista Ele Ela de julho de 1975.)


Agradecimento: Maysa Oficial


7 de julho de 2022

Escrava de sua alma - entrevista na Argentina, 1971


“Escrava de sua alma”





 Durante várias horas, se manteve entre Maysa e SEMANA, um diálogo intenso em que a grande cantora brasileira desnudou sua alma e convocou seus demônios. O que surpreendeu neste diálogo com o jornalista foram as incríveis revelações e ela, por sua vez, foi surpreendida com uma anedota doce e terrível.
- “Não só o sonho da tumba da terra se repete há muito tempo. Também sonho que vôo. Eu nasci para voar... Para ser livre. Sempre sonho que vôo... Ou que estou na tumba”. 

 - Sobre drogas: “Provei as drogas, logicamente. Eu gosto de provar tudo. Mas não gostei delas. Gosto é do efeito da bebida, embora não goste do seu gosto”. 

 - Sobre análise: “O que se passa lá, não me interessa. Se perde muito tempo. E eu não tenho tanto tempo para perder – ou para ganhar. O melhor tratamento é estar ao lado de gente que me interessa, e fazer o que tenho vontade”. 

 - Sobre Deus: “Creio no verde, vejo um Deus maior, e não aquele que me foi ensinado no catolicismo”. 

 - Sobre a infância e a primeira juventude: Afastada pelos pais, como interna, em um colégio de freiras: “Saí de lá um pássaro ferido com a pata atada a uma correntinha lançando a liberdade ilusória do céu que, de pronto, se converte outra vez na caixa negra e, asfixiante de um matrimônio com um homem obtuso, um verdadeiro quadrado. Tinha dezessete anos e meio e pensei que iria abandonar a janelinha quadrada do colégio, e cair em uma gaiola. Desde então, não podia dormir e comecei a tomar comprimidos”. 

 Mas, foi neste colégio que lhe condicionaram o inconsciente para a pulcritude moral, as exigências ascéticas, a escravidão às normas estritas a cerca de sexo e a vida “ordenada”, porta estreita por onde teve que passar empurrada também pelos pais e pelo marido, um homem muito mais velho do que ela. Quando resolve romper com seu primeiro marido e se deixa levar mais livremente pelos sentimentos amorosos (leia-se sexuais) além do gosto crescente pelo álcool, concessões todas que dá a si mesma, desde sua consciência ansiosa de liberdade, começa o terrível e destruidor conflito. Seu inconsciente segue clamando pela “velha ordem”, o ascetismo, a sujeição sexual a uma pessoa com a qual está “casada perante à lei”, mas sua razão, empurrada por seus desejos, a coloca no meio da liberdade mais absoluta e faz com que ela, desde o fundo de sua alma escravizada à família (“adoro os meus pais”) e a religião (“creio em um Ser superior”), passe a se considerar uma LIBERTINA.

 - Sobre Miguel: “Um amigo excepcional, por que... Marido somente, é muito pesado!”

 - Sobre suicídio: “Sempre tenho a sensação de que me vigiam, de que não aceitam minha forma de viver. Então, isso me violenta e busco a solução mais fácil. Eu busco, desesperadamente, amizade; em vez de amizades encontro sempre acusações. Sempre não, aqui em Buenos Aires, não. Aqui me sinto bem... Amo essa cidade, onde, além disso, debutei como cantora. Aqui tenho verdadeiros amigos. Aliás, no Rio, retorno ao meu cárcere do hotel, com as montanhas por trás e o mar pela frente. Aqui, por fim, me sinto livre outra vez.” 

 - Sobre show em Mar del Plata: “Tenho medo do frio. Eu gosto do calor, deve ser por isso que sigo vivendo, de algum modo, no Rio. O calor... tomar banho de sol. Algum dia vou para uma ilha sozinha e ver se me encontro comigo mesma.” “Se tivesse que deixar alguma das duas coisas que faço o jornalismo e o canto, deixaria o canto, porque me machuca toda essa maquinaria do comércio que se faz com os discos, toda essa gente que não me interessa para nada e que me obriga à concessões permanentes desde o início da minha carreira.”





(Entrevista concedida ao jornal argentino SEMANA na ocasião da última turnê de Maysa em Buenos Aires, em 1971).

16 de fevereiro de 2021

Maysa e Maria Bethânia

 

Quando Maysa encontrou Maria Bethânia


Maysa em São Paulo. 
Foto: Diário da Noite, 18 de se setembro de 1968


Maysa foi descoberta na plateia do teatro Ruth Escobar, no último sábado, quando assistia a estreia de Maria Bethânia. Chegou há dois dias de Madri. [...] Embora tenha procurado entrar no Teatro Ruth Escobar, Sala Gil Vicente, bem antes de começar o espetáculo 'Comigo me desavim', não conseguiu manter-se incógnita até o final da apresentação. Como Maria Bethânia vem à plateia durante o espetáculo, dialogar com o público, localizou Maysa sentada ao canto ao lado lateral direito do teatro. No mesmo instante Bethânia subiu ao palco e anunciou que dedicava seu espetáculo a Maysa, presente à plateia. A grande surpresa aconteceu: o público todo em pé aplaudiu Maysa durante vários minutos. Foi tão grande a receptividade que a cantora, [...] ficou comovida com a reação. [...] Mas como afirmou a própria Bethânia, é a grande cantora que, pelo seu estilo e pelo repertório que escolheu, já figura na história da música popular brasileira."

Diário da Noite - São Paulo - 16 de setembro de 1968





Foto: revista Veja, 1968


Na ocasião em que entrevistou Maria Bethânia para o programa Dia D, da TV Record de São Paulo, em sua estreia como repórter, Maysa logo confessou a Bethânia: "Sabe, me pediram uma entrevista muito agressiva com você. Parece que está na moda as pessoas se agredirem."



Foto: revista Intervalo, 1970




Maysa durante apresentação em 1970




3 de setembro de 2019

Maysa, Malé, moda, mulher - Correio da Manhã, 1972



Maysa, Malé, moda, mulher

     Ouça. Maysa voltou. Voltou não, porque ela nunca saiu. Um dia chegou à procura de amor. Encontrou. Depois largou tudo pela sua arte. E aconteceu. Marcou época na música popular brasileira pela sua suas canções de curtição e dor de cotovelo. Agora procura mais a vida, através das gentes que ela reúne no seu ponto de encontro: a Malé.
     Lojinha nova e bem diferente. Tudo lá é usado. O mais interessante é que você pode trocar as coisas guardadas no baú e levar pra Maysa que ela dá um jeito, isso é uma característica da casa.
     Em termos de moda, a malé não segue. É anti moda mesmo. Tem de tudo. Desde roupas louquíssimas até as super bem comportadas; discos fora de circulação; livros esgotados, mais cadeiras e chapéus. Por exemplo: ninguém sabe como, mas a verdade é que ele está lá, um casaco da guarda real da Inglaterra. Assim como o chapéu de astracã preto que Maysa usou no seu último show. Uma bolsa estranhíssima, toda de pelo de cabrito.
     Para Maysa, a butique foi ótima, “pois dá chance de bater-papo, sem alinhavos, com gente amiga.” A Malé fica na Rua Djalma Urich, 91/409.


 Correio da manhã – Rio, domingo 18, e 2ªfeira 19/06/1972



Fotos de Adalberto:








17 de agosto de 2019

Maysa na boate Number One, 1972



A cantora Maysa 

     Por três vezes, nos últimos dois anos, Maysa tentou ser algo mais que cantora. Ficou perto do fracasso como repórter e entrevistadora de televisão em 1970. Ficou perto do sucesso como personagem secundária de telenovela em meados do ano passado. E, no fim do ano, fracassou de vez como atriz de teatro. Nos três casos, foram tentativas desnecessárias: só provaram que ela é mesmo cantora, capaz de empolgar o público em grandes casas, como em duas cervejarias do Rio e de São Paulo, em 1969, ou no reduzido espaço de uma boate, como em seu show de agora na carioca Number One.
     Ela entra com os cabelos soltos, um vestido máxi branco e preto, e começa cantando “Tarde” com gestos e expressões que lembram a amargura, a fossa e o sofrimento que exibia no início de sua carreira. As palmas começam tímidas, aumentam no segundo número, o antigo bolero “Eclipse de Luna”, e se conservam entusiasmadas até o final, quando ela canta “Ouça” e a canção francesa “Ne Me Quitte Pas”.
Alegre e triste - Ao apresentar “Ouça”, Maysa já tem o público sob controle. Antes “botou todo mundo na fossa” cantando “Coração Ingrato”, ensaiou uns passos de dança e brincou com os acompanhantes em “Adeus, América”, homenageou sua personagem na telenovela “O Cafona” cantando o “Tema de Simone”. Pode, então, permitir-se a brincadeira e anuncia: “Quero cantar para vocês uma música que gravei há pouco e, eu sei, fará sucesso. Pois tudo o que eu gravo é sucesso”. A brincadeira, encaixada num show de boate, funciona. Mas sua interpretação nova para um de seus furores do passado é de fato surpreendente. Sua voz não é mais rouca e dolorida, como no princípio, mas aberta, forte, saída de uma garganta agora sem preocupação de estrangular sílabas ou prolongar frases.
     Torna a brincar no número seguinte, “Demais”, ao recitar os primeiros versos da música: “Todos acham que eu falo demais e que bebo demais”. E termina com o mesmo tom dramático da abertura, ao murmurar o refrão de ”Ne Me Quitte Pas” com toda a dor de uma amante suplicando para não ser abandonada. Nesse final, em “Ouça” e em “Adeus, América”, Maysa tem a parceria igualmente brilhante do conjunto de Osmar Milito, cujos componentes ela beija do início do show, com a seguinte explicação: “Ninguém vai entender o que está acontecendo. Mas é mesmo para ninguém entender. A classe artística é muito desunida”.
     Incompreensível, realmente, e dispensável num espetáculo como este de Maysa, que dura pouco mais de meia hora, com músicas bem escolhidas e melhor ainda executadas. Assim como são dispensáveis as tentativas dela nos últimos dois anos: por mais que ela procure outras formas de realização, é como cantora que ela alcança um nível superior entre as artistas brasileiras. 

Revista Veja, janeiro de 1972






    "A uisqueria Number One continua com casa cheia todas as noites, onde Maysa é a grande atração com os acompanhamentos do trio de Osmar Milito e o Quarteto Forma. Maysa, nesta temporada na house de Mauro Furtado está provando mais uma vez ser uma das melhores intérpretes brasileiras. A sua interpretação em Ne Me Quitte Pas é sensacional."

Correio da Manhã - Rio, terça-feira, 25 de janeiro de 1972





[...] "Vestida de preto, cabelos revoltosos, Maysa estreia nervosa. Limitada a pouco espaço por uma casa repleta (com muita gente do lado de fora sem poder entrar), ela começa com Tarde, de Milton Nascimento, e, aos poucos, vai ficando mais à vontade com o público. Tom Jobim, Caetano Veloso, Aloysio de Oliveira são os compositores que se seguem. É só música, nada de conversa. 'Decorei umas coisas aí, mas prefiro deixar o recado só na música.'
     E o recado musical tem a ajuda de Osmar Milito e seu conjunto, Quarteto Forma, e ainda uma percussionista que captava a atenção do público - Naíla Graça Melo, mulher do maestro. É um público exigente e crítico - se não a partir de padrões estéticos bem fundamentados, pelo menos em relação a seu gosto musical particular. É um teste rigoroso para uma artista que se considera tímida, mas que tem procurado enfrentar essa limitação." [...]

Maysa, o valor da interpretação. Jornal do Brasil - janeiro de 1972



LAN viu Maysa no Number One - Jornal do Brasil, janeiro de 1972